“Independente da minha ação tudo muda. Tudo muda a todo instante. Tudo muda.
É bom pensar nisso. E tudo mudando eu posso ter duas opções: A mudança passa por mim ou a gerencio; ou eu faço ou ela fará por mim. Não importa, porque se eu ficar bem paradinho a mudança continua porque ela atinge até o que não tem consciência, como pedras e plantas. Esta é a mudança – precisa reconhecer isso – que pode ser um lema de vida. Mudar é difícil, não mudar é fatal. Mudar é muito difícil. Mudar hábitos, mudar relações, mudar propostas, mas não mudar é fatal.
Será que este ano você resolve aquele probleminha com o seu inglês? Você vai resolver o fato de você ter problemas com o uso da crase? Estude, faça exercícios, tente, mude. Não mudar é fatal. Usando o quadro de Matisse: Mudar, mudar-se. Mudar as coisas que nos cercam. Mudar e reinventar-se. Quem não se reinventa na amizade, no emprego ou no casamento esgota essa
possibilidade rapidamente. A pessoa com quem se casou há vinte, dez, quinze, trinta anos não existe mais. Nem as células são as mesmas. Infelizmente os neurônios são os mesmos, cada vez em menor quantidade. Mas as células se renovam constantemente.
A imagem da escultura americana Carlyle diz que o homem com consciência e ação está se esculpindo como a sua grande obra. Você se torna na sua própria obra, torna-se na pessoa que investe nisso. Este o momento de pensar nisso.
Fim de ano. Há uma poesia de Antônio Machado, o espanhol – não o nosso Machado de Assis, mas o Machado espanhol – que é conhecida de todos: “Caminhante, são tuas pegadas o caminho e nada mais; caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar”.
O problema de eu comprar o livro A cabeça de Steve Jobs é que ele não leu esse livro para fazer o que fez. O problema de pedir conselho é que quem venceu não pediu conselhos. É a velha história de Mozart que, perto de morrer, recebe a carta de um menino de 15 anos, de Praga, que pergunta a ele como fazer uma ópera. E Mozart responde: “E muito cedo para você fazer isso”.
O menino responde na terceira carta entre os dois: “O senhor fez a primeira com nove anos”. E Mozart responda na quarta carta: “É verdade, mas eu não perguntei a ninguém como se fazia”.
Essa é a diferença. Ouvir conselhos de pessoas que não os praticam. Têm uns casamentos destroçados, mas elas dão conselhos. Ouçam todo mundo. Segundo Hamlet: “A todos, teu ouvido; a voz, a poucos; ouve opiniões, mas forma juízo próprio“. Em qualquer sentido. A todos ofereça o ouvido, ouçam o que as pessoas têm a dizer. Nós estamos falando sempre delas. Façam isso.
Tornem-se diferentes ou achem felicidade na repetição que também é possível.
Achem felicidade em ser comum. Achem felicidade na repetição do óbvio. Achem felicidade em fazer a felicidade de outro como minha avó que faz o menu do Natal há trinta anos, colocando os mesmos pratos nos mesmos lugares da mesa.
Até o cheiro da casa é o mesmo. E ela era feliz assim. Achem a felicidade na repetição ou na renovação. E este é o momento, fim de ano, para fazer essa reflexão. A reflexão do quanto eu quero aprofundar, de que eu quero transformar o que está ao alcance da minha mão. Uma das coisas mais fascinantes da vida é isso.
Quando eu tinha dezoito anos, estava do meio para o fim da faculdade, em entrei muito cedo, eu fui fazer o primeiro estágio em sala de aula, na 5ª Série. Hoje não existe mais essa nomenclatura. Eu e uma colega vimos uma aula na 5ª Série. Eu saí de lá horrorizado. Eu disse: “Eu não quero isso, que horror. São uns demônios, eles gritam, estão possuídos por Satanás”.
Aquilo era um horror. Eu saí de lá e disse para a minha colega: “Eu vou fazer tudo para acabar a minha faculdade, mas eu não quero dar aula para a 5ª Série”. Acabei dando por algum tempo, mas eu queria escapar disso. Eu queria dar aula para adultos e não para crianças. Terminou a faculdade e eu me inscrevi para ser professor. Passados mais de 30 anos disso, esta mesma
minha amiga estava dando aula para a 5ª Série. Ela sempre disse que eu tive sorte.
Sorte é o nome que se dá para a pessoa que leva adiante o seu plano. Sorte é o nome que se dá a quem se empenha. Mas a minha sorte foi atravessar as madrugadas estudando. A minha sorte foi vir para São Paulo com uma mão na frente e outra atrás. A minha sorte foi um projeto longo, o custo do sacrifício em construir uma carreira. Essa foi a minha sorte que levei adiante.
Este é o momento para pensar na sorte ao invés de estar comendo lentilhas no Ano Novo. Não tem um pobre que não coma lentilhas. Rico não come lentilhas, é uma coisa fascinante. E o pobre continua comendo. No ano seguinte come de novo. Ao invés de investir na lentilha ou em alguma coisa assim, se preferir troque superstição por religião, mas pense num projeto para 2017, leve este
projeto adiante. Nesse projeto faça tudo o que você possa fazer. O tempo linear é uma invenção nossa. Mas como eu dizia antes, o tempo pode ser circular e, assim, pode ser um recomeço a qualquer instante, de qualquer ponto.
O tempo linear é uma invenção do Ocidente. E pode ser de fato, um Ano Novo.
Pode ser, de fato, um novo momento. Basta uma ação de quem vai enfrentar o mundo. O mundo não vai querer, vai nos obrigar a refazer a ação e insistir como tudo que é importante na vida tem que se insistir muito. Muitas vezes.
A recompensa por essa escolha é a vida que vale a pena ser vivida.
Perguntaram-me uma vez, num debate sobre felicidade, se eu era feliz. Eu respondi que o único objetivo que posso ter, a única ideia que eu posso ter é que eu já fui infeliz e hoje eu sou feliz. É a comparação. Ninguém pode saber se de fato é feliz. Mas eu já fui infeliz. E hoje o ponto maior da minha felicidade é saber que ela depende de mim. Exclusivamente de mim.
Então, esta é a vida válida para mim. Nem sempre é fácil. Algumas coisas eu estou querendo abrir mão porque não adiantou insistir, minha energia não foi suficiente. Mas aquela que foi possível se tornou numa vida válida”.
Fala do professor Leandro Karnal – no vídeo Fim de Ano: Momento de Pensar a Vida – Transcrição feita por Portal Raízes.